segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Entrevista com a educadora Carmem Machado

Atualmente a professora de Arte Carmem Machado da escola estadual Professor Benedito Leme Viera Neto de Salto de Pirapora recebeu o Prêmio Victor Civita: Educador Nota 10 com o seu projeto Sentiver com os alunos da 6ª série.
O projeto se tornou um espetáculo de dança com exibições em diversas escolas e universidades, seu conteúdo educacional é inovador pois utiliza referencias da dança contemporânea, buscando realçar os elementos: terra, água, fogo e ar. O projeto foi selecionado entre 3 mil projetos inscritos para receber o Prêmio.
Apesar da correria das entrevistas em outros meios de comunicação a professora Carmem Machado disponibilizou seu tempo para uma entrevista sobre sua perspectiva sobre a dança, sua visão da arte e seus projetos futuros.



Qual o seu intuito ao criar o projeto Sentiver?
C: O projeto na verdade teve início, há muito tempo, porém foi no ano passado que concluímos num produto final.Eu trabalho com esses alunos desde a primeira série e durante esse tempo fomos construindo o diálogo do corpo no espaço com o intuito de ganharmos uma teatralidade no cotidiano escolar.
Eu vivia em processo criativo, porém a diretora que pacientemente esperou todo esse tempo nos cobrou já no início do ano passado para uma apresentação no final do mesmo ano e ofereceu um recurso financeiro (PRODESC) destinado ao projeto. Então escrevi sobre uma possível apresentação, mas na verdade eu queria esse recurso para comprar materiais a fim de inserir nessa nova pesquisa, que estava pautada com o corpo- o espaço e o uso de materiais na dança contemporânea, e também permitiu a compra de dvds, livros de pesquisa para o professor e aluno
Só não sabia que ela levaria tão a serio a apresentação.Quando chegou no início do mês de setembro disse: Vamos marcar uma data então? Eu fiquei apavorada, não queria decidir sozinha. Levei essa possibilidade para os alunos que receberam com muita alegria a possibilidade de apresentar, mas radicalmente eu disse que não queria e percebi a decepção no olhar delas.Mas a Camila (aluna) que sempre foi muito questionadora disse: É tão bonito quando vamos assistir aos seus espetáculo professora, vejo que seus amigos e familiares estão sempre presente.Queria muito ter essa experiência também.

Apresentação na Cidade Universitária UNISO - Foto: Claus Nardes 



Durante o projeto os alunos fizeram relatórios. O que você sentiu que o projeto mudou na vida dessas crianças ?
C: Os alunos utilizaram protocolos como registro (Brecht) . Nesse protocolo havia espaço para descrição das atividades, e para colocar as suas opiniões.Elas se configuravam da seguinte forma: Eu gosto, eu proponho e eu critico, diferente de Viola Spolin.

O que você sentiu que o projeto mudou na vida dessas crianças?
 C: Elas ficaram mais responsáveis, mais organizadas e extremamente críticas, até mesmo com a minha postura em sala de aula. Isso é bom, mas ao mesmo tempo difícil de administrar, outro fator que considero importante é que eles tem uma consciência corporal fantástica.

Qual foi o maior desafio com o projeto?
C: São desafios diários, trabalhar com tantos "nãos" . Não temos som, não temos espaço, não podemos fazer barulho,não pode utilizar esse espaço agora,o chão está sujo,não dá pra deitar nesse chão,não tem material.,não tem tomada.Isso era o início.Aliás eu percebi que nesse espaço tem que ter uma força sobrenatural, trabalhar com dança precisa de espaço adequado pra isso,e como criar isso em uma hora e quarenta de aula.,como trabalhar com 35 alunos num espaço tão reduzido? E o que fazer com os alunos que não estão em atividade? Como trabalhar com a dança contemporânea? Sem mesmo ter referência do que estou falando e quando entramos em conceitos, também é outro desafio.
Eles achavam que tudo aquilo que eu trazia era invenção da minha cabeça, eles não acreditavam que aquilo vinha com referência de alguém, por isso diziam "essa professora é louca".

Para você o que é ser artista ?
C: Ser artista é estar engajada com pensamento político e por em prática aquilo que você acredita,é ter um pensamento estético , é ser humilde, ser honesto com a sua profissão, e não se vender ao sistema só para beneficiar a si próprio.Ser artista é pensar no todo e em todos...


Como você define a dança na sua vida?
C: Falar da dança me faz voltar a minha infância,o meu sonho era ser bailarina,mas minha mãe não suportava isso,achava a dança indecente ,dizia que filha sua não dançaria com um homem passando a mão pelo corpo dela.Fiz balé escondido da minha mãe durante um ano,até que ela descobriu e me deixou de castigo,eu tinha 14 anos na época e senti que a minha história com a dança tinha encerrado naquele momento.
Muitos anos se passaram e fui fazer teatro,num desses encontros com espetáculos,eis que conheci Kazuo Ohno e vi que um homem de quase 80 anos dançava,mas com uma propriedade e qualidade de movimentação que me fez chorar.Ao ver esse artista dançando uma chama foi reacendendo e vi que a dança estava em mim,voltei a dançar com o Butô. Na verdade o meu corpo nunca deixou de dançar,eu não tenho uma definição para a dança na minha vida,mas digo que todo meu corpo dança a partir da relação que tenho com as pessoas, com os objetos, com o vento, a árvore, o sol,pois toda essa memória corporal é também a memória do universo e da vida.
Sinto que só assim tem sentido dançar.Não se trata de uma forma pronta que se move,mas algo que a precede assim como o Butô que não começa a ser feito para uma apresentação,mas se constrói durante toda uma vida.A preparação,o estudo e a vida precisam andar juntos.A dança pra mim é isso.

Educadora Carmem Machado Foto: Ariane Chibao 


Qual conselho você pode dar aos novos artistas dessa geração ?
C: Que não escolham essa profissão pelo glamour,que cuidem do ego que é quase um "câncer" nessa profissão.Que nunca esqueçam da humildade.
O teatro é generoso, honesto e  fiel,que se alguém desrespeita esse ritual,ele próprio se destrói em cena.Vi muitas vezes isso acontecer com ótimos atores e atrizes que não souberam respeitar esse encontro. Teatro é encontro. Lembrando que para ser um grande artista é preciso ser um grande ser humano, generoso e humilde,é o grande segredo dessa profissão.


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